MANAUS – Sem poder visualizar o valor da corrida, mas apenas o destino, motoristas de transporte por aplicativo em Manaus avaliam o local do desembarque do passageiro para decidir se a viagem compensa financeiramente. Essa medida tem ocasionado cancelamentos frequentes, resultando em reclamações dos usuários. A alegação dos trabalhadores é o alto custo do combustível.
“Já valeu a pena”, diz Sérgio de Abreu, de 44 anos, que trabalhou como motorista de aplicativo por 3 anos. Em 2018, quando se cadastrou, ele lembra que “tinha menos motorista rodando”, mas agora, por conta do “inchaço”, desistiu do trabalho e se mudou para o Maranhão onde arranjou um emprego “mais estável”.
De acordo com Sérgio, as mudanças nas políticas dos aplicativos afetaram os motoristas, pois as corridas foram barateadas e os custos com o automóvel aumentaram. “A gente pega trânsito intenso com corrida muito barata, e o valor não altera. Acontece até de o valor final dar menos”, disse. “Não compensa. O motorista paga para trabalhar”.
A Associação de Motoristas por Aplicativo de Manaus calcula que a média de faturamento mensal da categoria está em dois salários-mínimos e meio, o equivalente a R$ 2.750. Para Alexandre Matias, presidente da entidade, esse valor não é suficiente para arcar com os custos do dia a dia e nem com a manutenção dos veículos.
Atualmente, são 70 mil motoristas cadastrados nas oito plataformas de transporte em Manaus. “Com a pandemia, entraram muitos profissionais na categoria”, disse Alexandre. “A maioria está na Uber”. Antes, a viagem mínima pela Uber era de R$ 6, agora, é de R$ 4,44. “Do que o passageiro paga, a gente fica com 60%, mas, hoje, as taxas variam entre 35% e 45%”. Essa baixa compensação pelas corridas gerou cancelamentos corriqueiros.
“Isso faz com que muitos motoristas desistam de algumas viagens que não são tão rentáveis assim. E o valor altíssimo do combustível contribui”, afirma Alexandre. “Uma viagem por menos de R$ 10 não é vantagem se tiver que fazer 5 quilômetros”.
O estudante universitário Filipe Nascimento, de 25 anos, se tornou usuário assíduo dos transportes por aplicativo devido à pandemia e notou que a qualidade dos serviços piorou. “Eles (os motoristas) esperam chegar bem próximo (do usuário) e cancelam. Tem também a questão do ‘dinheiro e cartão’: quando o motorista não pergunta diretamente qual vai ser a forma de pagamento, ele pergunta se ‘vai ter troco’, uma estratégia para eu responder que é cartão e eles cancelarem a corrida. Eu tenho sentido uma falta de profissionalismo dos motoristas”, diz Filipe.
“Não tenho gostado tanto do atendimento e serviço”, afirmou o estudante. “A última que me ocorreu foi quando o motorista veio a viagem toda repercurtindo opiniões racistas e homofóbicas. Ele insistia e me deixava constrangido. Só consegui me livrar disso quando cheguei em casa, no fim do trajeto”, disse Filipe.
Difícil acesso
Os locais considerados de difícil acesso também se tornam justificativas para cancelamento de corridas. É o que relata a estudante Elimara da Silva, de 37 anos, que mora em um condomínio no bairro Tarumã, na zona oeste.
“Eu tenho enfrentado, ultimamente, a desistência dos motoristas pelo fato de eu morar no Tarumã e eles considerarem ‘área de risco’. Até eu conseguir entrar no carro, são cinco ou seis (motoristas) que cancelam a corrida. Isso, para mim, é ruim porque eu moro distante da parada de ônibus e dependo exclusivamente desse modelo de transporte”.
O jornalista Gabriel Veras, de 23 anos, também já viveu situação semelhante. Ele diz que recorreu ao táxi após 20 minutos de espera. “Nos últimos meses, tenho enfrentado problemas quase que diariamente. Num dos mais recentes, eu estava em um shopping e passei mais de 20 minutos na tentativa de que algum motorista aceitasse a corrida. Um deles, inclusive, cancelou quando já estava na minha frente. Acabei perdendo a paciência e peguei um taxi, o que me custou quase R$ 50 (enquanto a previsão do Uber era de cerca de R$ 20)”, disse Veras.
Segundo os motoristas, a interface das plataformas não dá chances ao condutor de considerar alguma margem de lucro nas corridas, pois não exibe o trajeto. Nessa situação, por que, então, o motorista não rejeita a corrida e passa para outro?
Se nós não aceitarmos viagens, nós somos bloqueados por 3 e 7 meses e em definitivo”, disse Alexandre. Segundo ele, o procedimento é: “nós aceitamos a corrida, damos uma olhada para onde vamos levar o passageiro, onde vamos buscá-lo e analisamos se compensa pelo valor mostrado. Se valer a pena, nós levamos. Se não valer a pena, nós cancelamos na medida de segurança e vamos para a próxima viagem ou mudamos de aplicativo”, explicou.
A variedade de aplicativos, de acordo com Alexandre, pode ser uma saída para que os usuários não dependam exclusivamente de uma plataforma e sofram com os constantes cancelamentos.
“Por isso, hoje, nós temos muitos aplicativos justamente para dar alternativa de valores para o passageiro e para os motoristas. Então, o que eu aconselho é que o passageiro solicite por dois ou três apps, daí o motorista que chegar primeiro, e for mais confortável para ele, ele vai”, disse.
Cartão rejeitado
O cancelamento de corridas para pagamento no cartão de crédito acontece há muito tempo e é uma das reclamação mais comuns dos usuários entrevistados.
Sérgio de Abreu explica que a “corrida no cartão vai cobrar o que o motorista está devendo para a plataforma”. Quando o motorista ‘roda’ muito, aceitando apenas corridas no dinheiro, gera um saldo devedor dentro do aplicativo, que é descontado quando a corrida é feita no cartão. “O motorista não vê esse dinheiro”, disse.
Entre os entrevistados, a Uber é a mais utilizada. Um deles prefere o 99 POP devido ao preço. Todos disseram que a procura pelo serviço aumentou na pandemia por medo da “superlotação nos ônibus do transporte público”.
“A qualidade do serviço em si caiu muito, principalmente nos últimos três meses. Como as principais bandeiras são a comodidade e os preços acessíveis, acredito que eles não estejam entregando o que prometem, uma vez que o serviço está cada vez menos cômodo”, disse Gabriel.
A adesão aos carros por aplicativo fez com que a demanda pelos táxis caísse. De acordo com IMMU (Instituto Municipal de Mobilidade Urbana), atualmente Manaus possui 4.032 licenças de taxis, mas desde 2017 não abre edital para novas licenças.
A reportagem questionou a Uber sobre as reclamações dos usuários referentes aos recorrentes cancelamentos e se há pretensão da empresa de instruir ou capacitar os motoristas para melhorar o atendimento ao público, e sobre os critérios para variação de preços das viagens, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.